Os la’o-rai contra-atacam. Escritura, fontEs orais E EnrolamEnto do Estado na luta pElo podEr na aldEia dE faulara thE la’o-rai strikE back. Writing, oral sourcEs and EnrollmEnt of thE statE in thE strugglE for poWEr in thE villagE of faulara Alberto Fidalgo Castro Professor Assistente Doutor do Departamento de Antropologia Social e Psicologia Social na Universidad Complutense de Madrid (Espanha) e Professor colaborador no Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da Universidade de Brasília (DF, Brasil). Submetido: 18 de maio de 2022 Aceito: 13 de outubro de 2022 Publicado: 17 de novembro de 2022 Diálogos Volume 07 ISSN em linha 2789-2182 2022 ISSN impresso 2520-5927 dialogosuntl.com https://doi.org/10.53930/27892182.dialogos.7.7 Diálogos | Volume 07 | 2022 | 217 oS la’o-rai contra-atacam. escritura, Fontes orais e enroLAmento do eStAdo nA LutA peLo poder nA ALdeiA de fAuLArA Alberto Fidalgo Castro1 Resumo: Este artigo trata sobre as tensões e lutas pelo poder entre dois grupos so- ciais de pessoas que moram na aldeia de Faulara: os originais do local (rai-na’ in) e os imigrantes (la’o-rai). Nele, analisaremos um documento escrito em 2003 dirigido para a então administradora do subdistrito de Liquiçá no que os la’o-rai pedem o reconhecimento oficial do suco Laueli-Lau (conhecido localmente pelo nome de Faulara) por parte da RDTL. Mostro como algumas tensões comunitárias da vida em Faulara informam a construção textual do documento, selecionando de maneira interessada alguns elementos da história oral do lugar e omitindo outros. Veremos também como as brigas pelo poder travam disputas em uma lógica de campos que, acumulados, funcionam como um dos mecanismos por meio dos quais pessoas estabelecem precedência social entre eles. Finalmente, sinalarei algumas hipóteses sobre o porquê a solicitude de reconhecimento de Faulara como suco não foi exitosa. Palavras-chave: Timor-Leste; precedência; nativos; migrantes; narrativa de origem; administração local. tHe la’o-rai striKe BacK. writing, oral sources and enroLLment of tHe StAte in tHe StruggLe for poWer in tHe viLLAge of fAuLArA Abstract: This article deals with the tensions and struggles for power between two social groups of people who live in the village of Faulara: the natives (rai-na’ in) and the immigrants (la’o-rai). In it, we will analyze a document written in 2003 addressed to the then administrator of the sub-district of Liquiçá. In that document the la’o- rai ask for official recognition of the Laueli-Lau village (locally known as Faulara) by the RDTL. I show how some tensions of community life in Faulara inform the textual construction of the document, self-servingly selecting some elements of the oral history of the place and omitting others. We will also see how the struggles for 1 Professor Assistente Doutor do Departamento de Antropologia Social e Psicologia Social na Universidad Complutense de Madrid (Espanha) e Professor colaborador no Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da Universidade de Brasília (DF, Brasil). https://doi.org/10.53930/27892182.dialogos.7.7 Alberto FIdalgo Castro Diálogos | Volume 07 | 2022 218 | power hold disputes in a logic of fields that, accumulated, work as one of the me- chanisms through which people establish social precedence among them. Finally, I will point out some hypotheses about why Faulara’s request for recognition as a suco was not successful. Keywords: Timor-Leste; precedence; natives; migrants; narrative of origin; local administration. introdução Este artigo tem como objetivo apresentar um episódio sobre as pugnas pelo poder local em nível comunitário na aldeia de Lapa, suco Leotelá, mu- nicípio de Liquiçá. Essa pugna dá-se entre pessoas migrantes (la’o-rai) frente às pessoas nativas (rai-na’ in, que tem acesso privilegiado à terra por conta do regime de rituais e a uma narrativa de origem). Devemos especificar aqui que os migrantes (la’o-rai) podem até ter-se assentado várias gerações antes no local, mas o grupo de descendência ao qual pertencem (uma-lisan) tem o seu centro de origem em um outro suco diferente, o qual os diferencia dos nativos. Existem muitos campos de tensão e pugna pelo poder entre estes dois grupos que já foram analisados noutros lugares (Alonso-Población & Fidalgo Castro, 2014; Alonso-Población, Fidalgo Castro, & Pena Castro, 2018; Fidalgo Castro, 2020). Neste artigo, foco-me na maneira como os la’o-rai tentam estabelecer relações com a administração supralocal: de distrito (hoje município) e nacionais mediante a comunicação ou documentos escritos. Veremos como, perante uma comunicação em que se apresenta o resultado de uma ata preveniente do colegiado de autoridades locais, o grupo dos la’o-rai tenta fazer com que seja reconhecida a separação da aldeia da qual perten- cem (Lepa, conhecida como Faulara) como um suco independente dentro da administração do então subdistrito de Liquiçá. Logo, serão destacadas algumas informações que evidenciam o contexto de construção do texto e algumas hipóteses que apontem por quê o pedido não foi observado pelas autoridades nacionais. Os la’o-rai contra-atacam... Diálogos | Volume 07 | 2022 | 219 Para isso, divido o texto em três partes. Na primeira, volto-me para a contextualização histórica de Faulara, seguindo fontes orais e alguns regis- tros históricos. Posteriormente, aprofundo na questão sobre os grupos sociais nativos (rai-na’ in) e migrantes (la’o-rai) e os mecanismos de diferenciação a partir dos quais se identificam. Na terceira parte, apresento o documento em questão, no que se registra a reunião de autoridades migrantes e o pedido de reconhecimento do suco independente (Laueli-Lau). Finalmente e a modo de conclusão, coloco as hipóteses de trabalho sobre as causas que podem ter levado a que o suco não fosse reconhecido dentro da estrutura administrativa do Estado leste timorense. A ConStrução HiStóriCA de fAuLArA Faulara é o nome de estimação usado pelos habitantes do distrito de Liquiçá para fazer referência à aldeia Lepa, do suku Leotelá. Localizada nas margens de um afluente do rio Loes, o Laueli – escrito às vezes Lau-Úeli (de Castro, 1996, p. 197) ou Lauheli (Martin-Schiller, Hale, & Wilson, 1987, p. 17, 31). O assentamento está localizado em uma área importante para a pro- dução agrícola, sendo um dos poucos lugares no distrito, junto com outras áreas próximas dos suku com baliza no rio Loes, no qual o cultivo de arroz é praticado em campos de arroz inundados. Não há muitas referências relacionadas com Faulara em fontes históricas. As fontes documentais disponíveis confirmam que a Sociedade Agrícola Pátria e Trabalho portuguesa foi a que iniciou a produção de borracha (Martinho, 1948), e a única que apoiou a sua exploração em Timor-Leste (Clarence-Smith, 1992). De acordo com algumas histórias populares, logo depois que uma em- presa agrícola colonial - não consegui identificar em arquivos - promovesse o plantio de borracha na área, o lugar passou a ser chamado popularmente de “lugar das borrachas” em língua tokodede. Em suas narrativas orais, alguns habitantes da aldeia afirmam que du- rante o período português o lugar era um suku chamado Laueli-Lau, bem como dependia do posto militar de Boebau, que foi criado em junho de 1896 (Duarte, 1944, p. 37) logo após o governador Celestino da Silva promover Alberto FIdalgo Castro Diálogos | Volume 07 | 2022 220 | a nova divisão administrativa do Timor Português em forma de domínios militares (Boavida, 2014; Roque, 2012). Teve uma curta existência, pois foi integrado em Liquiçá em 1934 (Belo, 2011, p. 215). Antes de ser um posto militar, sua existência foi mencionada em registros históricos que evidenciam sua presença ainda no século XVI como um pequeno reino indígena (Belo, 2011). Dizem que o suku foi integrado em pela decisão da administração co- lonial portuguesa, depois que a população local foi dizimada em decorrência de uma doença epidêmica que os vizinhos da aldeia chamaram de bisika – e que provavelmente é a varíola, conhecida como bexiga no português popular (Centro Cultural da Saúde, 2006)2 –, porque eles queriam repovoar a área com pessoas das áreas vizinhas do distrito. Um importante grupo humano que hoje vive em Faulara são descenden- tes de falantes de búnak do distrito de Bobonaro. Eles dizem que vieram para Liquiçá há muito tempo por diferentes razões. Conforme alguns informantes, eles foram forçados a migrar por causa dos japoneses durante a Segunda Guerra Mundial, enquanto outros mencionam que chegaram a morar, em decorrência da sua atividade, como se fossem comerciantes no posto de Boebau. Destaca-se ainda que chegaram como trabalhadores agrícolas nas terras da SAPT. Na última etapa da colonização portuguesa, os planos de desenvolvimen- to para o período 1953-1979 estabeleceram a área do rio Loes como um dos objetivos da promoção do desenvolvimento agrícola, especificamente a partir do Terceiro Plano de Desenvolvimento para os anos 1968-1973 (Presidência do Conselho, 1967). Enquanto isso, a Sociedade Agrícola de Pátria e Trabalho (SAPT) estava construindo um dos seus centros agrícolas na área vizinha de suco Asulau, em 1967 (Sousa, 1967), do outro lado do rio. Essas atividades fizeram com que algumas pessoas chegassem para se estabelecer na área. Faulara, no final da colonização portuguesa, ficou incluída dentro do suco Leotelá, parte do concelho de Liquiçá, criado em 1970 como modificação 2 O Boletim da Província de Macau e Timor entre os anos 1871-1873 registra a presença de uma epidemia de bexiga na colônia. Ver, Ano 1871, Vol. XVII, N.º 6. Segunda-feira 6 de fevereiro. 1.ª Repartição, N.º 121 (p. 24) e N.º 21. Segunda-feira 22 de maio. Expediente geral- N.º 35 (p. 84); Ano 1872, Vol. XVIII, N.º 4. Segunda-feira 22 de janeiro. Governo de Timor. Expediente geral N.º 149 (p. 15), N.º 18. Sábado 27 de abril. Timor. (p. 70) e N.º 32. Sábado 3 de agosto. Governo de Timor. Copia. (p. 139); Ano 1873, Vol. XIX, N.º 45. Sábado 8 de novembro. (p. 179) Expediente geral. N.º 92 (p. 179). Os la’o-rai contra-atacam... Diálogos | Volume 07 | 2022 | 221 do Estatuto Político-Administrativo de Província de Timor aprovado pelo Decreto nº 45 378, de 22 de Novembro de 1963 (Ximenes, 2016). Com a invasão e ocupação da Indonésia, o governo dividiu a província de Timor Timur em seções administrativas preexistentes noutros lugares da indonésia (segundo a Lei nº 5 de 1974 do Governo Regional): os kabupaten, kecamatan e desa;3 traduzindo quase mecanicamente a divisão administrativa portuguesa de concelhos, postos e sucos (Hoadley, 1977, p. 139). Durante a campanha de ocupação de Timor-Leste pelo exército indoné- sio, a área de Liquiçá foi tomada em 1979. Após este evento, foram iniciados alguns planos de reconstrução na aldeia e nos seus arredores. O trabalho de desenvolvimento agrícola começaria em meados da década de 1980, a fim de atrair mais pessoas para estabelecer sua residência em Faulara e aldeias vizinhas. Em 1981, a agência humanitária Catholic Relief Services e a United States Agency for International Development (USAID) lançaram o East Timor Agricultural Development Project (ETADEP), que foi transferido para o con- trole timorense posteriormente sob o nome de Yayasan ETADEP. As margens do rio, em Asulau Saré e Faulara, foram desmatadas para transformar a área em uma zona adequada para o cultivo do arroz irrigado. Ademais, o gado foi distribuído entre os colonos para arar os campos de arroz (Martin-Schiller et al., 1987; USAID, 1987). Em 1985, segundo os habitantes da aldeia, começou a construção do sistema de irrigação. No entanto, além da transferência de pessoas encorajadas pelas iniciati- vas de desenvolvimento agrícola, a maioria dos habitantes de Faulara chegou ao local em 1996-1997, graças ao estabelecimento de um assentamento de transmigrantes (Otten, 1986) criado pelo regime indonésio (CAVR, 2013, pp. 1305-1307; Otten, 1986).4 3 Regulamento do Governo da República da Indonésia n. 19 de 1976 relativo ao governo das províncias regionais de primeiro nível e as regências regionais de segundo nível de Timor-Leste (Peraturan Pemerintah Republik Indonesia nomor 19 tahun 1976 tentang pemerintahan propinsi daerah tingat I Timor Timur dan kabupaten-kabupaten daerah tingat II di Timor Timur): https://peraturan.bpk.go.id/Home/Download/57895/PP%20 NO%2019%20TH%201976.pdf 4 Chamado em indonésio alokasi penempatan penduduk daerah transmigrasi (APPDT), e conhecido popularmente como transmigrasi ou simplesmente trans. Alberto FIdalgo Castro Diálogos | Volume 07 | 2022 222 | Nessa última etapa da ocupação indonésia, Faulara também foi um ponto importante com presença de membros da resistência e, especialmente, de pessoas pertencentes à frente clandestina. Em 1999, quando se produziram os ataques das milícias pro-indonésias (em Liquiçá, Besi Merah Putih), muitas pessoas se refugiaram em Faulara e na vizinha área de Asulau-Saré (do outro lado do rio, em Ermera) depois de votar no referendum pela independência (CAVR, 2013, pp. 1305-1306). Depois de que a FRETILIN ganhasse a assembleia constituinte de 2001 (Leach, 2009; Shoesmith, 2010, 2013), e logo que se restaurou a independência em 2002, umas das ações do governo foi a de começar a articular as divisões administrativas e territoriais. Como aponta Douglas Kammen (2017), para isso foi articulada uma comissão de expertos que recomendou dividir o país em cinco regiões. Depois do governo da FRETILIN receber críticas ao ser visto como autoritário e centralista, assim como por conta de um impasse político sobre essa questão, optou-se pela descentralização. Encontramo-nos, para o contexto deste artigo, depois das eleições legislativas e presidenciais, no momento em que se começou a articular a estrutura administrativa do Estado e foram preparadas as futuras eleições locais (Close, 2016; ten Brinke, 2018). rai-na’in (nativos) e la’o-rai (migrantes) Faulara, como vimos no apartado prévio, experimentou diferentes pro- cessos de povoamento durante os distintos regimes políticos que Timor-Leste vivenciou. Com isso, atualmente seus habitantes são uma mescla de residentes nativos (rai-na’ in) e migrantes (la’o-rai) chegados em épocas diversas e de um conjunto variado de origens, tanto sociais quanto geográficas. Como em muitos outros lugares de Timor-Leste e da Indonésia Oriental, uma narrativa de origem é a base a partir da qual se estrutura a ordem social em Faulara (Van Wouden, 1968), criando uma ordem de precedência (Fox, 2009; Reuter, 2009; Vischer, 2006). Essa narrativa estabelece quais são as casas (uma-lisan) consideradas rai-na’ in no lugar: Laueli e Asumanu. A primeira delas, Laueli, é aquela com a qual a narrativa de origem da aldeia está associada. Os la’o-rai contra-atacam... Diálogos | Volume 07 | 2022 | 223 A narrativa conta como Laka-Lau (1), representante da uma lisan Laueli, dá a irmã dele – Dau-Roma (2) – em casamento ao grupo de entida- des do rio Laueli. Isto ocorreu no tempo dos antepassados (tempu avó bei’ala sira), quando a casa Laueli já tinha se assentado no que hoje é conhecido como Faulara. No entanto, como o rio secou devido à falta de reciprocidade com os espíritos da terra (rai-na’ in), o estabelecimento de uma aliança entre a casa e o rio tornou-se a solução para o retorno do fluxo das águas. Dau- Roma, um ser vivo, é assim entregue ao rio e ali morre ( fó ema moris hodi hola bee). Entretanto, na narrativa, sua morte não implica sua finitude, mas sua rendição ao casamento (hasai-feto) com o rio. O rio é tratado discursiva- mente como se fosse uma casa, isto é, colocando-lhe atributos semelhantes aos de uma uma-lisan. É com uma entidade do gênero masculino, dentre o coletivo de entidades que formam parte do rio, que Dau-Roma se casa, Blea-Kasa (3). Dau-Roma não deixa de existir quando morre, mas torna-se parte de um plano ontológico diferente daquele perceptível na vida cotidiana mediante o casamento, que é consumado quando ela se “perde” (lakon) ao entrar nas águas do rio. A entrega da mulher é um momento fundador no qual se estabelece uma relação entre o rio e a casa de origem, convertendo-se em tomadores e doadores de mulheres, de vida e fertilidade (umane-mane foun ou fetosá -umane), respectivamente. Cria-se uma aliança assimétrica, o que acarreta uma superioridade de status, uma ordem de precedência, entre o grupo que dá a vida (umane) e o tomador que a recebe (mane-foun / fetosá). É a mulher dada em casamento, Dau-Roma (2), quem permite a abertura de um canal de comunicação entre a casa de origem com o rio. Em virtude da posição que ocupavam como doadores, os membros da casa Laueli acessam um di- álogo privilegiado com o rio. É precisamente Dau-Roma quem liga as duas entidades —casa/rio—, criando-se o que se define como rai-fukun, isto é, a aliança entre ambos por meio do casamento. O significado que recebe rai-fukun, nesse contexto, refere-se ao vínculo de união entre as pessoas e a terra. A relação irmã-irmão (feton ho na’an) é, como coloca Weiner (1992), a conexão-chave que permite o estabelecimento de relações de reciprocidade por meio das quais se criam relações de precedência ou hierarquias entre Alberto FIdalgo Castro Diálogos | Volume 07 | 2022 224 | pessoas e grupos. Essa relação de assimetria segue a direção da entrega das mulheres de um grupo para outro, o que alguns autores chamam de flow of life (Fox, 1980) ou stream of blessing (Bloch, 1986; Schefold, 1994). O fato de que, na linhagem, Laueli ter se tornado doador de esposas para o rio supõe o estabelecimento de uma relação assimétrica entre eles que faz com que a casa tenha acesso privilegiado às entidades que formam o rio. Graças a isso, a casa Laueli pode influenciar no comportamento do rio por meio da interlocução com as entidades que o compõem, um atributo ao qual nenhuma outra casa pode acessar. Mediante o casamento de Dau-Roma e Blea-Kasa, a linhagem Laueli se estabeleceu como o único canal legítimo de comunicação com o rio de modo similar ao que acontece nas alianças entre doadores e tomadores de esposas, o umane pode usar o seu status superior para convocar o rio e exigir bens dele (nesse caso em forma de colheitas agrícolas, que se conceitualizam como dádivas da terra). Nesse sentido, o rio cede às demandas da casa de origem da qual tomou a esposa em virtude do conjunto de obrigações incluídas nas relações de reciprocidade, cumprindo, assim, um dever com o doador de esposas dele. Essas obrigações são bidirecionais e, do mesmo modo, a casa de origem é a responsável por “alimentar” ( fó-han) as entidades que fazem parte do rio. Essa reciprocidade é um dos elementos que Shepard Forman (1981) chamou no seu trabalho sobre a cultura makasae de “ideologia do intercâmbio”. A narrativa de origem, conhecida parcial ou totalmente por muitos dos vizinhos da aldeia, é reafirmada de diversas formas, sendo a celebração de rituais (especialmente os associados às colheitas) uma das mais habituais (para mais detalhes, ver Fidalgo Castro, 2015, pp. 287-298). Contudo, tam- bém a posse de objetos sagrados (sasán lulik) serve como uma demonstração da narrativa de origem. No caso de Laueli, seus membros afirmam que pos- suem um disco de peito de ouro (belak mean) e outro de prata (belak mutin), cujos nomes são os dos antepassados e entidades protagonistas da narrativa de origem: Laka-Lau, o ouro, e Blea-Kasa Dau-Roma, a prata. Esses objetos não são interpretados como uma representação destes, mas como os próprios ancestrais e entidades. Entende-se que o objeto associado e o ancestral são, ontologicamente, a mesma coisa. Os la’o-rai contra-atacam... Diálogos | Volume 07 | 2022 | 225 A narrativa de origem mencionada e os elementos que a acompanham são amplamente reconhecidos pelas pessoas da aldeia, que aceitam a casa Laueli como rai-na’ in, ou seja, como precedente entre as diferentes casas existentes em Faulara. Todavia, além da casa Laueli, como já foi citado previamente, há outra casa que também é considerada rai-na’ in: a uma lisan Asumanu. Essa é uma casa tomadora de esposas e fertilidade ( fetosá) da casa Laueli, com a qual eles têm uma relação de aliança desde os tempos dos ancestrais. Eles dizem que os membros da casa Asumanu também con- seguem potencialmente exercer o cargo de especialista ritual (rai-na’ in kaer bua-malus), pois foi um direito concedido por Laueli no tempo dos antepas- sados. Eram assistentes (sekretáriu), porque não tinham capacidade de tomar conta das obrigações que acompanhavam (ain-liman la to’o), tendo em vista a grande área de terra (rai luan). Com base na história e na transferência do direito de se encarregar da função de especialista ritual (rai-na’ in kaer bua-malus), ambas as casas são reconhecidas como os legítimos rai-na’ in ou casas com acesso prefe- rencial à terra frente aos recém-chegados socialmente diferenciados ou fa- mílias la’o-rai. As casas originais possuem boa parte dos melhores campos de arroz, enquanto as famílias la’o-rai só tiveram acesso a essas terras por meio de decisões políticas (como é o caso das famílias daqueles que fo- ram nomeados administradores locais pelos governantes portugueses) e de alianças matrimoniais (com os colonos originais), ou simplesmente porque as ocuparam (como no caso de certas terras que surgiram há alguns anos em decorrência de mudanças no leito do rio, que são menos produtivas e propensas às inundações). Vale salientar que, embora algumas das famílias la’o-rai tenham direitos de exploração de vários campos de arroz, entende-se que a sua propriedade pertence, em termos cosmológicos, às casas rai-na’ in. Todas aquelas famílias que foram chegando nos sucessivos regimes estatais, como vimos anteriormente, faziam parte desse grupo de migrantes, mesmo que sua chegada tenha ocorrido durante as primeiras décadas do século XX. Praticamente a totalidade desses migrantes, menos aqueles búnak que che- garam como comerciantes e a trabalhar nas terras da SAPT, eram migrantes internos do próprio concelho de Liquiçá. Alberto FIdalgo Castro Diálogos | Volume 07 | 2022 226 | mAiS um epiSódio de tenSão entre originAiS e migrAnteS Já mostramos em outros lugares algumas dessas tensões entre os rai-na’ in e os la’o-rai (Alonso-Población & Fidalgo Castro, 2014; Alonso- Población, Fidalgo Castro, & Pena Castro, 2018; Fidalgo Castro, 2020). Aqui, volto meu olhar para os la’o-rai e o modo como eles tentaram realizar articulações no sentido de controlar a política por intermédio da dominação da administração local e confrontar desse jeito aos rai-na’ in em um outro campo (entendido ao modo de Bourdieu) sobre o qual os segundos não têm ainda uma precedência estabelecida. Anteriormente, vimos como durante os primeiros anos após a restau- ração da independência começaram a ser articuladas as normativas sobre as divisões administrativas e territoriais. Orientados pela ideia da descentralização, iniciaram-se os trabalhos que levaram depois à elaboração de normativas sobre as instituições locais. Em relação aos sucos, isso foi cristalizado em 2004 com a publicação da Lei Nº 2/2004 de 19 de fevereiro sobre a Eleição dos chefes de suco e dos Conselhos de suco (RDTL, 2004b); regulada posteriormente pelo Decreto Lei do Governo de 5/2004 sobre as Autoridades Comunitárias (RDTL, 2004a).5 Fruto desses trabalhos, as autoridades locais de Faulara receberam uma comunicação desde a Direcção Nacional Administração do Território e Desenvolvimento Local6 na qual se informava a respeito da necessidade de enca- minhar dados sobre os sucos para o reconhecimento formal na futura normativa. Em resposta a essa carta, alguns membros destacados do grupo dos la’o-rai de Faulara organizaram reuniões para escrever uma resposta na que pretendiam que se reconhecesse formalmente a Faulara como um suco do distrito de Liquiçá separado de Leotelá, chamado de Laueli-Lau. Entre essas pessoas tinham desta- que antigos membros das FALINTIL que fizerem frente à invasão da Indonésia 5 Posteriormente, essa normativa seria revogada pela Lei 3/2009 sobre as Lideranças Comunitárias e sua eleição (RDTL, 2009); revogada, por sua vez, pela Lei de Sucos 9/2016 (RDTL, 2016). 6 Na altura chefiada por Arcanjo Leite, político do Partido Democrático (PD), quem depois foi Ministro da Administração Estatal e Ordenamento do Território durante o IV Governo Constitucional e, desde 2018, membro do Conselho de Estado. Os la’o-rai contra-atacam... Diálogos | Volume 07 | 2022 | 227 na região de Liquiçá até sua captura em 1979, assim como alguns membros da resistência clandestina durante a ocupação. Apresento a continuação, o texto que enviaram para a Administração do Distrito de Liquiçá (com cópia para o Ministério de Administração Estatal e o Parlamento Nacional):7 Ba: Administrador subdistritu Liquiçá Husi: suco Laueli-Lau (Faulara), subdistritu Liquiçá, distrito Liquiçá. CC: 1. Administradora distrito Liquiçá (Sra. Aurora Ximenes) 2. Ministério Da Administração Estatal RDTL (liuhusi xefe Departamento Governu Local, Sr. Arcangelo Leite iha Direção Nacional de Administração Do Território e Desenvolvimento Local) 3. Parlamento Nacional RDTL (liuhusi Deputado Sr. Joaquim Barros ho Deputado Sr. Francisco Gerônimo). Assunto: Declaração Baseia ba resultado husi sorumutu entre líder sira suco Laueli-Lau (Faulara) nian hamutuk ho katuas lia-na’in sira ho populasaun iha suco ne’e nia laran, iha quinta-feira, loron II fulan-Setembru, tinan 2003, iha sede suco Faulara, maka ho laran haksolok, ami povu tomak iha suco Laueli-Lau (Faulara) hato’o deklarasaun hanesan tuir mai ne’e Husu ba Governu atu rekoñese Laueli-Lau hanesan suco ida iha Estrutura Administrasaun Gobernu Lokál RDTL nian. Declaração ne’e ami hato’o ba Governu RDTL nian bazeia ba ideias fundamentais mai ne’e: 1. Tuir istória uluk iha portugués nia tempu iha posto ida naran Posto Boebau (Posto ne’e nia fatin maka iha Leotelá/Manati), ne’ebé administra suco 4 (haat). Suco ida naran Laueli, suco ida naran Leotelá, suco ida Naran Açumanu no suco ida naran Darulete, ho nia Liurai ou Dom ida iha rai Manati. Tanba moras ida naran kolat bi sika mosu iha ne’eba, halo populasaun husi suco Laueli ho Leotelá mate barak, maka governu iha tempo ne’eba hasai dezisaun hodi halo hamutuk fali suco Laueli ho Leotelá sai ida deit naran Leotelá. Bainhira suco Laueli lakon, estadu portugués muda fali suco ne’e ba povuasaun ida naran Lepa. Iha tempo portugués, posto Boebau muda fali ba Liquiçá, governu entrega residénsia posto Boebau ba Igreja. Posto Boebau muda ba Liquiçá sai submete nafatin ba Concelho Ermera. Como Populasaun aumenta maka governu portugués hola dezisaun posto Liquiçá sai Concelho ida to’o ohin loron. Ne’e maka dada lia ho Sr. Joao da Conceição (Resi). Eis-xefe da povuasaun Lepa, ne’ebé konta istória ne’e husi nia bei’ala, nia aman 7 Levando em conta que este artigo está sendo pensado para uma publicação leste- timorense, considerei inoportuna a tradução do texto para Língua Portuguesa, assumindo dos possíveis leitores um conhecimento menos instrumental da língua tétum. Alberto FIdalgo Castro Diálogos | Volume 07 | 2022 228 | to’o ba nia, kona-ba suco Laueli. 2. Iha tampo clandestina, ida dia 15-12-1994, simu orientasaun husi saudoso Nino Konis Santana, iha nia abrigo Erate/Lepa, katak suco Leotelá: a. Luan liu, maka tenki fahe ba rua. Iha ne’ebá responsavel clandestina ho Falintil prepara ona Povuasaun Lepa ba suco ida. Ida ne’e prosesu político ida atu povu hatene saida maka organizasaun ida ne’ebé frente tolu hala’o atu hasoru governu Indonézia. b. Iha 1997 iha mos reuniaun ida iha kantor Pemda husi governu Indonézia atu suco ne’ebé bo’ot fahe ba rua. Povuasaun Lepa atu sai suco ida. Ida ne’e prosesu político governu Indonézia atu tropas Indonézia fásil controla e desmente programa ne’ebé frente tolu hala’o. Iha oportunidade di’ak ida ne’e, dia 31 de Outubro kalan, responsavel clandestina no Falintil halibur povu iha Faulara, harii hikas fali suco Laueli naran Laueli-Lau, hanesan Núkleu da Resisténsia Popular (NUREP) ida ho nia estrutura ketak husi suco Leotelá ho nia Secretario NUREP maka Calistro Jose da Costa Marçal, ne’ebé oras ne’e mos nu’udar xefe suco Laueli-Lau/Faulara nian. c. Iha tempo resisténsia, Laueli-Lau hanesan NUREP ida ne’ebé hala’o funsaun clandestina nian hanesan mos NUREP sira seluk, iha parte, seguransa, juventude, OMT, agrikultura (produsaun ho logística), saúde no seluk-seluk tan. Iha tempo ne’ebá deputado Joaquim Barros Soares asume hanesan Secretario da Zona. Tuir mai iha primeiru visita senhor Presidente C.N.R.T. Sub rejiaun Amadeo dos Santos (Samalelo) halo nia suco 9. Ida ne’e maka dada lia iha tempo Clandestina husi Sr. Mario da Silva (Fera Nakukun) ba suco Laueli- Lau. d. Iha tempo ukun rasik aan nia laran, comunidade Faulara mos organiza aan hamutuk hodi harii nia suco rasik, hanesan serbisu hamutuk iha parte agricultura no saúde nian. Juventude hodi harii suco ne’e iha parte agrikultura nian. Oras ne’e daudaun komunidade Faulara mos hanoin ona kona-ba oinsá dezenvolve suco Faulara ne’ebé ukun rasik aan duni hodi tabele ba ajuda rai liur ne’ebé bele fó terus ba ita nia bei-oan sira. Iha parte agrikultura komesa ona hanoin atu dezenvolve agrikultura sustentavel, hanesan, halo adubu no pesticida orgániku, kria grupo agrikultura nian. Iha parte saúde serbisu hamutuk ho Madre sira husi kongregasaun PRR (PUTRI REINHA ROSARI) hodi fó-tulun ba povu Faulara sira ne’ebé dook tebes husi ajuda médiku iha Cidade no oras ne’e daudaun hanoin ona atu oinsá bele kria sistema saúde popular nian ne’ebé fó oportunidade di’ak liu ba ema kiak sira. Liu-liu oinsá uza ai-moruk rai-laran nian ne’ebé ita iha rasik atu hetan problemas saúde ne’ebé mosu iha suco laran. e. Suco Laueli-Lau (Faulara) iha nia rai rikusoin barak, hanesan natar luan ho rai bokur tebes ne’ebé sai hanesan área ida be potencial tebes Os la’o-rai contra-atacam... Diálogos | Volume 07 | 2022 | 229 iha parte agrikultura nian. Iha irrigasaun permanente rua; ida iha Lepa (Pabó) metro 190 no ida fali husi mota Laueli (Faulara), metro 1224. Iha mos rai mamuk barak no animal hanesan kuda, karau ho bibi ne’ebé barak tebes. Iha Faulara, iha uma escola rua (ida iha Lepa no ida iha Faulara) no Capela rua (ida iha Lepa, ida iha Faulara). Uma dinas guru nian iha 5 (rua iha Lepa, 3 iha Faulara). Iha uma permanente ba bainaka nian 6. Sede suco nian permanente no oras ne’e nia kondisaun di’ak hela. Sei iha tan fasilidade públiku iha Faulara ne’ebé di’ak hela, ne’ebé ami la bele temi ida-idak. Realidade hanesan ne’e hametin liu tan ami nia orgullu atu administrasaun governu local RDTL nia okos. f. Tanba tuir ami nia hanoin kata governu RDTL nia sei estuda hela, oinsá maka bele kria sistema administasaun governasaun lokál nian, bele tetu ho didi’ak no to’o ikus bele hasai dezisaun ida ne’ebé di’ak ba povu doben Timor Lorosa’e tomak. g. Ami fiar katak governu RDTL nia hanesan governu ida ne’ebé demokrátiku no governu ida ne’ebé harii atu servi no rona povu nia lian. Tanba ne’e maka ami mos laran-metin nafatin katak governu RDTL nian ne’e sei hasai dezisaun ne’ebé reflete ba realidade sosiál ne’ebé iha. Katak dezisaun ne’e hasai atu hatán problema ne’ebé povu hasoru. h. Tanba tuir karta ne’ebé hasai husi Sr. Arcangelo Leite, Departamento Governu Local, iha 17 Abril de 2003, point B ne’ebé hateten katak: ba suco foun ne’ebé existe iha tempo UNTAET, tenki hato’o dadus kompletu tuir mai ne’e: Ø Númeru total populasaun do Suco Tuir dadus ne’ebé ami hetan, iha tinan 2003 nian, total populasaun Laueli-Lau (Faulara) nia hamutuk ema nain 959 husi xefe de família nai 200. Ø Número de aldeia. Suco Laueli-Lau (Faulara) sei iha Aldeia 4: 1. Aldeia Lepa 2. Aldeia Kai Mego Mau Seu 3. Aldeia Mau Kurus Lema 4. Aldeia Lebo Kolan Ø Número de famílias por Aldeia: Aldeia Lepa iha família nain: 46 Aldeia Kai Mego Mau Seu: 55 Aldeia Mau Kurus Lema: 46 Aldeia Lebo Kolan: 53 Ø Populasaun de cada Aldeia 1. Aldeia Lepa nia total populasaun: 211 (feto nain 107, no mane nain 104) 2. Aldeia Kai Mego Mau Seu nia total populasaun: 241 (feto nain 107, no mane nain 134) 3. Aldeia Mau Kurus Lema nia total populasaun: 217 (feto nain 99, no mane nain 118) Alberto FIdalgo Castro Diálogos | Volume 07 | 2022 230 | 4. Aldeia Lebu Kolam nia total populasaun: 290 (feto nain 110, no mane nain 180) Ø Superficie de área/batas wilayah (labele iha konflitu entre rai/sangketa tanah) Ami deklara mos katak ba Suco Laueli-Lau (Faulara) nian iha tempo uluk kedas maka: 1. Husi Tasi Feto (norte), baliza ho suco Vatubou, subdistrito Maubara, distrito Liquiçá 2. Husi Tasi Mane (Sul) baliza ho suco Asu Lau, no suco Ura Hou, subdistrito Hatulia, distrito Ermera. 3. Husi Lorosa’e (norte), baliza ho Suco, subdistrito Liquiçá, distrito Liquiçá 4. Husi Loromonu (Oeste), baliza ho suco Lisadila, subdistrito Maubara, distrito Baliza sira ne’ebé temi ona iha leten ne’e, husi uluk kedas to’o oras ne’e la iha conflito ida. Bazeia ba hanoin fundamentais sira ne’ebé ami temi ona iha leten ne’e, maka povu tomak iha Suco Laueli-Lau (Faulara) nian, hasai deklarasaun ne’e no asina husi líder local sira ho katuas lian nain sira ne’ebé lori povu Suco Laueli-Lau (Faulara) nia naran. Maka ne’e deit ami nia deklarasaun. Ba nai ulun sira nia atensaun ami hato’o obrigado barak, Laueli-Lau (Faulara), 10 de Outubro 2003 Ami be saran lia hodi povu Suco Laueli-Lau (Faulara) nia naran maka: [listagem de assinantes] Comentário SoBre o texto Façamos agora um comentário sobre o texto. Qual era o seu objetivo explícito e como se apresenta? Como indicamos previamente, o texto é uma resposta a uma carta enviada desde a Direcção Nacional Administração do Território e Desenvolvimento Local. Ele apresenta o resultado de um colegia- do de autoridades de diversos tipo de Faulara. Trata-se de um grupo de nove pessoas8 que assinam o documento em qualidade de: um chefe de suku, dois vice-chefes, três katuas lia-na’ in, e quatro chefes das aldeias mencionadas. Entre eles não há nenhuma mulher e nenhum deles pertencendo ao grupo dos originais (rai-na’ in) do lugar. 8 Os nomes foram omitidos para preservar o anonimato. Os la’o-rai contra-atacam... Diálogos | Volume 07 | 2022 | 231 O texto está dividido em duas partes: a primeira em que se explica a his- tória local de Faulara desde o tempo da colonização portuguesa até o momento do presente etnográfico (2003), junto com alguns apontes socioeconômicos do lugar; e uma segunda parte em que se especificam os dados solicitados pela missiva encaminhada pela Direcção Nacional Administração do Território e Desenvolvimento Local. Na primeira parte, especifica-se como aconteceu que um suco preexistente fosse extinguido pelas autoridades portuguesas devido à dizimação da população na área em decorrência de uma doença infecciosa (provavelmente a varíola, tal como já fora indicado). Além do mais, também se conta como no ano 1997 o governo da Indonésia iniciou um processo para dividir aqueles sucos leste-timorenses de grandes dimensões em duas partes, como um mecanismo de controle militar da população que neles morava. Com o início desse processo, produziu-se uma reunião do governo com a população local em um dos edifícios governamentais de Faulara. Esse dia (31 de outubro) seria aproveitado pela NUREP para fazer uma reunião clandestina e criar uma estrutura de suco nova, separada do suco Leotelá, baixo o nome de Laueli-Lau. Trata-se de um fato importante, pois mesmo que os assinantes do colegiado em reunião estivessem cientes de que a petição a qual haviam respondido tivesse pedindo os dados daqueles sucos que pos- suíam reconhecimento administrativo durante o período da UNTAET (um fato administrativo), eles usam como legitimação para a sua solicitude uma decisão política tomada pela NUREP. Associam a reinstituição de Faulara como suco a uma decisão política da hierarquia da Resistência, sendo esse o mecanismo de legitimação ao que eles se aferram para reclamar o reconheci- mento de Laueli-Lau como um suco dentro da estrutura administrativa local do Estado durante o levantamento realizado em 2003. conteXto social, histórico e Político de ConStrução do texto Foi somente anos depois, em 2009, que eu fui para Faulara fazer meu trabalho de campo. Naquela altura, nem sabia muito bem como é que a orga- nização do Estado de Timor-Leste funcionava e, quando cheguei em Faulara, Alberto FIdalgo Castro Diálogos | Volume 07 | 2022 232 | não sabia se aquele núcleo de população era um distrito, um subdistrito, um suco, uma aldeia ou somente um grupo de casas. Depois de atuar em campo, de falar com meus vizinhos, conviver entre eles, de começar a ver mapas e a legislação leste-timorense foi possível perceber que Faulara era apenas o nome por intermédio do qual se conhecia a aldeia Lepa do suco Leotelá. Ao longo de uma das muitas jantas e reuniões em que as pessoas me recebiam para conversar e saber o que fazia por aí, evidenciei minha surpresa ao saber que Leotelá era um suco muito maior do que outros do subdistrito de Liquiçá. Nesse momento, foi narrada a história oral de Laueli-Lau e ocorreu o contato com o documento que apresento neste artigo. Fui contrastando pouco a pouco essas informações com outros vizinhos. Assim, tendo a referi- da história oral uma geral aceitação popular, sempre perguntei: quais causas fizeram, de fato, com que Faulara não fosse reconhecido como suco pelo estado leste-timorense? O exercício que aqui faço é o de hipóteses, já que seria preciso levantar mais dados sobre essa questão. Acredita-se que seja oportuno estabelecer algumas interessantes conexões e tentativas que apontem possíveis razões que fizeram com que isso não acontecesse. HipóteSeS A modo de ConCLuSão Em primeiro lugar, pode ser que a população de Faulara reproduzisse, ao mesmo localmente, as tensões que estavam acontecendo entre os partidos políticos em nível nacional. As tensões entre a FRETILIN e o PD, para o caso de Faulara, podem ter sido as que informaram a construção desse texto de so- licitude, como um exemplo local que podia ser levantado por políticos do PD em Díli para tentar contra-argumentar as intenções políticas da FRETILIN. Os sucos já haviam começado a figurar, em 2003, como um dos campos em que se estava produzindo uma nova disputa política do poder e partidos que não tinham conseguido cotas importantes na assembleia constituinte e tinham as eleições locais como um momento para fazer avanços nesse sentido. O fato de que um dos segmentos da população de Faulara tenha solicitado a criação de um novo suco, pode ter sido apenas o resultado de cálculos de poder partidário orientado para conseguir mais cotas de poder. Os la’o-rai contra-atacam... Diálogos | Volume 07 | 2022 | 233 Também dentro da lógica eleitoral local, é possível que os assinantes do documento tivessem o interesse de limitar os eleitores para atingir mais cotas de poder dentro do suco. Como todos eles eram la’o-rai chegados a Faulara desde outros lugares de Liquiçá (e de Bobonaro) diferentes a Leotelá, podem ter pensado que limitar a participação de outras aldeias na eleição do chefe de suco serviria à estratégia deles para atingir mais cotas de poder local no campo político-administrativo. Prevalecem possíveis hipóteses que podem ter influenciado para que o suco não fosse reconhecido. Uma delas tem relação com o fato de que o suco não existisse administrativamente durante a gestão portuguesa e indonésia e, portanto, também não durante a missão transitória das Nações Unidas. Sendo assim, é muito possível que a solicitude fosse desconsiderada não apenas em nível nacional, senão também no âmbito do distrito (o que hoje seria a nível municipal) porque simplesmente não era um suco preexistente e não fazia parte dos planos a criação de novas unidades administrativas locais. A hipótese que parece ser a mais plausível, porém, seria que os assinan- tes do documento calcularam mal o poder de mobilização e o enrolamento que tinha de autoridades administrativas distritais e nacionais. Dentro da lógica das sinergias locais-nacionais que se estavam produzindo na esfera da planificação dos partidos políticos da futura disputa eleitoral a nível local, os la’o-rai que assinam o documento não conseguiram enrolar suficiente nú- mero de pessoas para a causa deles e, em decorrência disso, não se produziu o reconhecimento do suco. O fato de que não tenha nenhum assinante do grupo dos rai-na’ in (das casas Asumanu e Laueli) e de que ocultem toda a questão relacionada com a narrativa de origem que legitima a ordem de precedência faz pensar que os assi- nantes tentaram articular o reconhecimento do suco como uma maneira de lhes disputar o poder local aos rai-na’ in. Como fora dito previamente, já registraram em outros lugares as tensões entre originais e migrantes (Alonso-Población & Fidalgo Castro, 2014; Alonso-Población et al., 2018; Fidalgo Castro, 2020). O grupo de assinantes, todos eles migrantes, não está legitimado para contar a narrativa de origem nem tem acesso privilegiado à comunicação com espíritos da terra e antepassados. Desse modo, não mencionaram em nenhum momento Alberto FIdalgo Castro Diálogos | Volume 07 | 2022 234 | do documento a narrativa de origem e se limitam unicamente às questões históricas. É possível que tenham imaginado que mencionar a narrativa de origem estivesse fora de lugar em um documento dirigido à administração, mas três das pessoas que assinam o fazem em virtude da sua posição com autoridades tradicionais (katuas lia-na’ in). Mesmo assim, esses lia-na’ in não são aqueles que formam parte das casas precedentes do lugar; podem até ser lia-na’ in das próprias casas das que os migrantes são membros ou, inclusive, funcionar como pessoas que resolvem conflitos por meio de mecanismos da justiça tradicional (tesi lia-na’ in), mas não têm legitimação para representar às autoridades locais precedentes de Laueli-Lau. Isso ficaria apenas nas mãos de uma das lisan Laueli e Asumanu, como dito previamente. Considero que a possível leitura política que os assinantes do documento fazem é a da acumulação de poder por vias outras daquelas que são possíveis com as instituições e mecanismos tradicionais. Tentar que se reconheça o suco faz que se abra uma janela de oportunidade na disputa eleitoral mais favorá- vel a eles (muitos habitantes de Faulara são migrantes de diferentes sucos de Liquiçá), do a que disputar as eleições com outras aldeias do suco Leotelá. Vale ressaltar que campo de disputa eleitoral e administrativo não está limitado por um acesso privilegiado que não pode ser contestado. Nessa outra disputa, não existe uma ordem naturalizada de precedência em base à narrativa de origem e as possibilidades de ganhá-la são mais acessíveis aos migrantes usando outras estratégias tradicionais como a mobilização de capital social, enrolamento de agentes externos, capital cultural etc. Acredita-se que há uma possibilidade alta de que documento não tivesse o efeito desejado (o reconhecimento do suco Laueli-Lau dentro da estrutu- ra administrativa local de Timor-Leste), visto que ele não apresentava um sentimento unificado por parte das pessoas de Faulara, senão que se tratava de uma ferramenta usada para a disputa local entre grupos com interesses diferenciados: la’o-rai (migrantes) contra rai-na’ in (nativos). Os la’o-rai contra-atacam... Diálogos | Volume 07 | 2022 | 235 referênCiAS Alonso-Población, E., & Fidalgo Castro, A. (2014). Webs of Legitimacy and Discredit: Narrative Capital and Politics of Ritual in a Timor-Leste Community. Anthropological Forum, 24(3), pp. 245-266. https://doi.org/10.1080/00664677.2014.948381 Alonso-Población, E., Fidalgo Castro, A., & Pena Castro, M. J. (2018). Bargaining Kultura. Tensions Between Principles of Power Acquisition in Contemporary Timor-Leste. Sociologus, 68(2), pp. 107-124. https://doi.org/10.3790/soc.68.2.107 Belo, D. C. F. X. (2011). Os antigos reinos de Timor-Leste (Reys de Lorosay e Reys de Lorothoba, Coronéis e Datos). Baucau: Edição Tipografia Diocesana Baucau. Bloch, M. (1986). From blessing to violence: history and ideology in the circumci- sion ritual of the Merina of Madagascar. Cambridge & New York: Cambridge University Press. https://doi.org/10.1017/CBO9780511621673 Boavida, I. M. G. (2014). Celestino da Silva, a rede de postos militares e a ocupação colonial efetiva de Timor português (1895–1905): Um processo (des)construtivo. Journal of Asian History, 48(2), pp. 227-261. https://doi.org/10.13173/jasiahist.48.2.0227 CAVR. (2013). Chega!: The Final Report of the Timor-Leste Commission for Reception, Truth and Reconciliation (CAVR): full report. Volume II. Jakarta: KPG in cooperation with STP-CAVR. Centro Cultural da Saúde. (2006). Revolta da Vacina: Cidadania, Ciência e Saúde. As marcas da varíola. Recuperado 9 de agosto de 2015, http://www.ccms.saude.gov.br/revolta/pdf/M5.pdf Clarence-Smith, W. G. (1992). Planters and small holders in Portuguese Timor in the nineteenth and twentieth centuries. Indonesia Circle, 57, pp. 15-30. https://doi.org/10.1080/03062849208729776 Close, S. C. I. (2016). Ukun Rasik A’an: indigenous self-determined development and peacebuilding in Timor-Leste. Australian National University. https://openresearch-repository.anu.edu.au/handle/1885/107130 de Castro, A. O. (1996). A ilha verde e vermelha de Timor. Lisboa: Edições Cotovia, Lda. Alberto FIdalgo Castro Diálogos | Volume 07 | 2022 236 | Duarte, T. (1944). Ocupação e colonização branca de Timor. Porto: Editôra Educação Nacional, Lda. Fidalgo Castro, A. (2015). Dinámicas políticas y económicas en el dominio ritual y la vida cotidiana en Timor Oriental. Estudios de caso desde la aldeia de Faulara. Universidade da Coruña, Ferrol. Fidalgo Castro, A. (2020). Narrativas de origem, casas e autoridades rituais: notas sobre a aldeia Faulara. In L. Sousa, K. Apoema, & V. Paulino (Orgs.), Olhares sobre as narrativas de origem de Timor-Leste (pp. 59–79). Ilhéus, BA & Dili: Casa Apoema & Unidade de Produção de Pós-Graduação e Pesquisa da UNTL. Forman, S. (1981). Life Paradigms: Makassae (East Timor) Views on Production, Reproductions, and Exchange. Research in Economic Anthropology, 4, pp. 95-110. Fox, J. J. (1980). The Flow of Life: Essays on Eastern Indonesia. (J. J. Fox, Org.). Cambridge, Massachusetts and London, England: Harvard University Press. https://doi.org/10.4159/harvard.9780674331907 Fox, J. J. (2009). The Discourse and Practice of Precedence. In M. P. Vischer (Org.), Precedence. Social Differentiation in the Austronesian World (pp. 91-109). Canberra: ANU E Press. https://doi.org/10.22459/P.05.2009.04 Hoadley, J. S. (1977). Indonesia’s Annexation of East Timor: Political, Administrative and Developmental Initiatives. Southeast Asian Affairs, 4, pp. 133-142. Kammen, D. (2017). Fantasy and Fossilization in the Study of Timor-Leste. Territoriality, Demography, and Status. In M. Nygaard-Christensen, & A. Bexley (Orgs.), Fieldwork in Timor-Leste. Understanding Social Change through Practice (pp. 125-143). Copenhagen: NIAS Press. Leach, M. (2009). The 2007 Presidential and Parliamentary Elections in Timor-Leste. Australian Journal of Politics and History, 55(2), pp. 219-232. https://doi.org/10.1111/j.1467-8497.2009.01513a.x Martin-Schiller, B., Hale, J., & Wilson, P. (1987). Review of the East Timor Agricultural Development Project (ETADEP), September-October 1987. Martinho, J. S. (1948). A cultura da borracha em Timor. Boletim Geral das Colónias, 24(275), pp. 208-212. Otten, M. (1986). Transmigrasi:Myths and Realities, Indonesian Resettlement Policy, 1965−1985. Copenhagen: International Work Group for Iindigenous Affairs Document, 57. Os la’o-rai contra-atacam... Diálogos | Volume 07 | 2022 | 237 Presidência do Conselho. (1967). Capítulo II. In Presidência do Conselho, III plano de fomento para 1968-1973. Vol. III. Lisboa: Imprensa Nacional. RDTL. (2004a). Decreto Lei Governo 5/2004 sobre Autoridades Comunitárias. Recuperado 10 de junho de 2021, http://mj.gov.tl/jornal/?q=node/1437 RDTL. (2004b). Lei No 2/2004 de 19 de Fevereiro sobre a Eleição dos chefes de suco e dos conselhos de suco. Recuperado em 10 de junho de 2021, http://mj.gov.tl/jornal/?q=node/972 RDTL. (2009). LEI N.o 3/2009 de 8 de Julho. Lideranças Comunitárias e Sua Eleição. Disponível em https://www.mj.gov.tl/jornal/?q=node/1014 Recuperado em 10 de junho de 2021. RDTL. (2016). Lei N.o 9/2016 de 8 de Julho. Lei dos Sucos. Recuperado 10 de junho de 2021. Jornal da República, Série 1, n. 26.A, 8 de julho de 2016, pp. 10-29. Reuter, T. A. (2009). Origin and Precedence: The construction and distribu- tion of status in the highlands of Bali. In M. P. Vischer (Org.), Precedence. Social Differentiation in the Austronesian World (pp. 13-49). Canberra: ANU E Press. https://doi.org/10.22459/P.05.2009.02 Roque, R. (2012). A voz dos bandos: colectivos de justiça e ritos da palavra portuguesa em Timor-Leste colonial. Mana, 18(3), pp. 563-594. https://doi.org/http://dx.doi.org/10.1590/S0104-93132012000300006 Schefold, R. (1994). Cultural anthropology, future tasks for Bijdragen, and the Indonesian Field of Anthropological study. Bijdragen tot de Taal-, Land- en Volkenkunde, 150(4), pp. 805-825. https://doi.org/10.1163/22134379-90003072 Shoesmith, D. (2010). Bringing the state to the people: Challenges facing local government reform in Timor Leste. IPRIS Lusophone Countries Bulletin, 7, pp. 16-20. http://www.ipris.org/php/download.php?fid=156 Shoesmith, D. (2013). Political Parties. In M. Leach & D. Kingsbury (Orgs.), The Politics of Timor-Leste. Democratic Consolidation after Intervention (pp. 121-143). New York: Southeast Asia Program, Cornell University. Sousa, E. da C. e. (1967). Parecer Técnico Sobre a Sociedade Agrícola Pátria e Trabalho Limitada, relacionado com o pedido de empréstimo para a compra de maquinaria e melhoramento das instalações de café. Alberto FIdalgo Castro Diálogos | Volume 07 | 2022 238 | ten Brinke, S. (2018). Citizens by waiting: Timorese young adults between state politics and customary authority. Citizenship Studies, 22(8), pp. 882-896. https://doi.org/10.1080/13621025.2018.1538318 USAID. (1987). A.I.D. Evaluation Summary. Grant No. 1064. CRS East Timor Agricultural Development Project. Recuperado 10 de maio de 2013, de http://pdf.usaid.gov/pdf_docs/PDCAY890.pdf Van Wouden, F. A. E. (1968). Types of social structure in Eastern Indonesia. La Haya: Konin- klijk lnstituut voor Taal-, Land-, en Volkenkunde Translation Series, vol. 11. Martinus Nijhoff. https://doi.org/10.1007/978-94-015-1076-9 Vischer, M. P. (2006). Contestations: Dynamics of precedence in an eastern Indonesian domain. In M. P. Vischer (Org.), Precedence. Social Differentiation in the Austronesian World (pp. 245-274). Canberra: ANU E Press. Weiner, A. B. (1992). Inalienable Possessions: The paradox of keeping-while- giving. Berkeley: University of California Press. https://doi.org/10.1525/california/9780520076037.001.0001 Ximenes, V. (2016). Reforma político-administrativa em timor-leste enquanto processo de reterritorialização. Universidade de Coimbra. Direitos Autorais (c) 2022 Alberto Fidalgo Castro Este texto está protegido por uma licença Creative Commons Você tem o direito de Compartilhar - copiar e redistribuir o material em qualquer suporte ou formato - e Adaptar o documento - remixar, transformar, e criar a partir do material - para qualquer fim, mesmo que comercial, desde que cumpra a condição de: Atribuição: Você deve atribuir o devido crédito, fornecer um link para a licença, e indicar se foram feitas alterações. Você pode fazê-lo de qualquer forma razoável, mas não de uma forma que sugira que o licenciante o apoia ou aprova o seu uso. Resumodalicença Texto completo dalicença https://creativecommons.org/ https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode _Hlk111905652 _Hlk106718675 _Hlk106717658 _heading=h.gjdgxs _heading=h.30j0zll _heading=h.1fob9te _heading=h.3znysh7 _heading=h.2et92p0 _heading=h.tyjcwt _heading=h.3dy6vkm _heading=h.1t3h5sf _heading=h.4d34og8 _heading=h.2s8eyo1 _heading=h.17dp8vu _heading=h.26in1rg _heading=h.30j0zll _heading=h.mrgxt7jxpk49 _heading=h.a06t7513yhht _heading=h.ppkm637zrbln _heading=h.a06t7513yhht1 Tab_TD_iha_uma Mapa_TD _Hlk78758584